Nada agradável. Durante as filmagens do Blue Planet II, a equipa da BBC teve um encontro imediato com uma Caravela Portuguesa que deixou dolorosas marcas.
A bela mas perigosa criatura marinha deixou o cameraman com dores agonizantes. Supostamente mijar-lhe em cima ajuda a passar a dor, e eles tentaram! Assim que és picado o teu coração dispara e a dor é quase insuportável.
Sobre a Caravela Portuguesa
A caravela-portuguesa (Physalia physalis) tem uma série de características que a tornam um pouco invulgar, quando comparada com outros seres vivos marinhos. Para começar, não se trata de uma das muitas espécies de alforrecas que existem, como pode sugerir a sua aparência gelatinosa, transparente e com tentáculos, apesar de pertencer ao mesmo grande grupo de animais (os cnidários).
Aliás, uma caravela-portuguesa nem sequer é propriamente um animal, mas antes uma colónia de animais, que trabalha em conjunto para assegurar a sua sobrevivência. Assim, cada colónia alberga quatro tipos diferentes de estruturas tão especializadas nas suas funções principais de flutuabilidade, reprodução, captura e digestão de presas que, na prática, funciona como se fosse um único organismo.
Para além disso, a caravela-portuguesa é conhecida pela perigosidade dos seus encontros com banhistas, que também ocorrem esporadicamente em Portugal. Explicando melhor, estas colónias têm longos tentáculos especializados na captura de presas que incluem pequenos peixes, larvas de peixe ou crustáceos. Se querem pescar uma refeição, esticam estes tentáculos maioritariamente transparentes e com pigmentos semelhantes a larvas de peixes e pequenos crustáceos, que servem de isco às suas presas.
Quando estas tocam nos seus tentáculos, há células que disparam ferrões microscópicos por onde são injetadas toxinas que as atordoam ou as matam. O problema são os casos em que este mecanismo é usado em banhistas, o que provoca dores intensas, lesões na pele e, em casos mais graves, problemas cardiorrespiratórios. Talvez ache isto uma falta de consideração desta espécie a visitas provenientes do meio terrestre, que ainda por cima só aparecem durante o verão, mas a caravela-portuguesa está só a tentar defender-se.
Poderá, também, parecer estranho dar o nome de um barco utilizado durante os Descobrimentos Portugueses a animais associados a lesões cutâneas e praias temporariamente interditas a banhos, mas existem boas razões para isso. Por exemplo, o “saco” cheio de gás que mantém a caravela-portuguesa perto da superfície (designado por pneumatóforo) faz lembrar uma caravela.
É graças ao vento que bate nessa estrutura, juntamente com as correntes oceânicas, que essas colónias se deslocam, à semelhança do que acontecia com as embarcações dos antigos marinheiros portugueses. A diferença é que os nossos antepassados cruzavam os mares à procura de novas terras, enquanto que as caravelas-portuguesas cruzam os mares à procura de novos mares.
Ou seja, estas colónias estão perfeitamente adaptadas a viver sempre em mar aberto, preferindo as águas mais quentes das regiões tropicais e subtropicais. Aliás, a sua transparência é a camuflagem mais apropriada para passarem despercebidas dentro de água. Se, por azar, são empurradas para a costa e encalham numa praia qualquer, é o fim da picada.
Mas há transeuntes suficientemente ousados para lhes mexer com as mãos sem luvas ou outro tipo de proteção, havendo assim uma última oportunidade para o uso dos seus tentáculos venenosos. Portanto, se não quiser ter uma experiência literalmente marcante, o melhor é não manusear caravelas-portuguesas sem as devidas precauções.
Apesar de ainda não se conhecer bem a reprodução deste predador, sabe-se que as estruturas reprodutoras de cada colónia são todas do mesmo sexo, supondo-se que estas colónias se reúnam em grandes grupos para libertar os seus gâmetas para a água. Isto acontece sobretudo no outono, dando origem a larvas que se vão desenvolver até se tornarem novas colónias.
Também é curioso notar que parte das colónias que se formam tem um flutuador que se inclina para a direita e outra parte tem um flutuador que se inclina para a esquerda, o que assegura uma distribuição mais homogénea pelos diferentes oceanos onde ocorrem. Depois, lá vão elas à deriva pelo mar alto, como o fazem desde há 600 milhões de anos. E oxalá continuem a fazê-lo por muitos milhões de anos mais. De preferência, longe das praias que costumamos frequentar…
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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Fonte: Visão