Pode parecer estranho, mas juntar duas colheres de sopa de manteiga ao café é uma tendência nos Estados Unidos. O criador do “Bulletproof Coffee” diz que o hábito faz maravilhas à saúde.
Começar o dia com uma chávena de café cheia de manteiga é algo que não passa pela cabeça de muita gente. Excepto nos Estados Unidos da América. A moda de juntar colheres de manteiga ao café já se tornou tendência do outro lado do Atlântico e os criadores defendem que a receita, chamada “Bulletproof Coffee”, torna o corpo mais saudável.
O primeiro impulso é de repulsa. Café com manteiga não parece ligar de maneira nenhuma. Só que entre os corajosos que tentaram a mistura em casa há muitos que já não passam sem ela. A receita, chamada “Bulletproof Coffee” (em português, café à prova de bala) foi criada por Dave Asprey, norte-americano especialista em segurança computacional em Silicon Valley, e faz parte da empresa The Bulletproof Executive, que defende que é possível fazer melhorias no corpo e na mente com pequenas mudanças diárias.
Para começar o dia de forma mais enérgica e saudável, de acordo com Dave Asprey, tudo o que é preciso fazer é juntar, num liquidificador, grãos de café, uma ou duas colheres de sopa de manteiga sem sal, proveniente de animais que comem erva em vez de soja ou milho e óleos MCT (Triglicéridos de Cadeia Média) encontrados no óleo de coco e óleo de palma. De acordo com Dave Asprey, com o novo hábito matinal o funcionamento do cérebro deverá mudar para melhor e o organismo passará a perder gordura sem esforço.
“O ‘Bulletproof Coffee’ é uma ótima maneira de obter gorduras saudáveis logo pela manhã”, defende Kerry Bajaj, health coach no Eleven Eleven Wellness Center, em Nova Iorque. As gorduras saudáveis vão “fornecer energia”, o que é bom para a “função cognitiva” e para o “sistema hormonal”, disse à revista Women’s Health.
A tendência é tão popular que até já chegou à NBA. A CBS Sport dá conta de que alguns jogadores da equipa de basquetebol norte-americana Los Angeles Lakers incorporaram o café com manteiga na sua nova dieta saudável. “A cafeína dilata os vasos sanguíneos e leva a gordura até ao cérebro”, explica o jogador da NBA Chris Kaman, sobre a sua opção de pequeno-almoço.
O “Bulletproof Coffee” é a estrela da dieta, e do modo de vida, defendidos por Dave Asprey, de 44 anos. Desde que decidiu aplicar mudanças na sua vida, Dave afirma ter perdido 45 quilos “sem contar calorias nem com exercício excessivo”. Além da perda de peso, conta, no seu site, que usou “técnicas para aumentar o QI do seu cérebro em 20 pontos, e baixou a idade biológica enquanto aprendia a dormir de forma mais eficiente em menos tempo”.
Quanto mais bizarra a dieta, mais atrai a atenção
“Taxativamente, a minha resposta é não”, disse o Professor Nuno Borges quando questionado pelo Observador sobre se os benefícios apregoados pelo criador do “Bulletproof Coffee” fazem sentido do ponto de vista nutricional. Para o nutricionista, e membro da direção da Associação Portuguesa de Nutricionistas, o princípio baseado no benefício dos triglicéridos de cadeia média, as gorduras MCT são, de facto, distintas do ponto de vista da absorção. No entanto, não parecem trazer vantagens, nem mesmo para atletas.
O mesmo defende o nutricionista Pedro Carvalho. Num dos poucos estudos feitos sobre os MCT, demonstrou-se “um efeito benéfico com a suplementação diária de 30ml óleo de coco na diminuição do perímetro da cintura em mulheres com obesidade”, escreveu no jornal Público. No entanto, a melhoria média foi de de 1,4 cm, “na prática quase insignificante e quase dentro do erro técnico de medida aceitável”, e “o mesmo óleo de coco aumentou os triglicéridos e o colesterol e deixou inalterável a razão entre o “mau” (LDL) e o “bom” (HDL) colesterol”.
Nuno Borges desmonta também a explicação dada pelo jogador Chris Kaman. “A cafeína contrai os vasos sanguíneos, e não o contrário. Pode dilatar alguns vasos musculares, mas a maior parte contrai. Além disso, o cérebro não gasta gordura, gasta essencialmente glicose”, pelo que fornecer gordura ao cérebro não deverá melhorar a função cognitiva. Mais: os atletas necessitam ingerir mais hidratos de carbono, e não mais gordura.
Há ainda a questão das calorias contidas na manteiga adicionada ao café. “O conteúdo energético do café muda com mais 200 ou 300 calorias extra, que depois têm de ser compensadas no resto da comida”. Caso as colheres de manteiga sejam adicionadas à dieta sem que depois não sejam feitas reduções ao longo do dia, engordar será inevitável. É verdade que começar o dia com um “Bulletproof Coffee” reduz a sensação de fome até à hora de almoço, mas Nuno Borges explica que isso se deve à energia, e não à receita. “Se a pessoa comer um pão com queijo e uma maçã são as mesmas calorias e também não vai ter fome, para além de que ingere menos gordura. O que tira a fome é a energia”.
Sabores à parte, o nutricionista não espera “nenhum benefício” da tendência que está a conquistar os cidadãos dos Estados Unidos, país muito afetado pela obesidade. “Quanto mais bizarras as dietas, mais atraem as pessoas, pelo que é preciso ter muito bom senso” na hora de adotar uma dieta, avisa Nuno Borges. “É preciso interpretá-las com o pé atrás, porque 90% são fogo de vista”.