O ser humano apresenta os comportamentos mais distintos do reino animal. Apesar da nossa capacidade em investigar e descobrir novos significados para certos actos, alguns dos nossos comportamentos mantêm-se inexplicáveis à luz das teorias evolutivas. Corar, rir, sonhar ou beijar são atitudes dos humanos que desafiam a lógica da selecção natural na medida em que, à partida, não trazem qualquer mais-valia. Porém, com a evolução da ciência, vai-se tornando cada vez mais claro que este tipo de comportamentos faz parte do que significa ser humano.
Estudos indicam que coramos para nos tornarmos mais confiáveis, rimos para aumentar laços sociais, sonhamos para consolidar memórias emotivas e beijamos porque esse acto aumenta os níveis de oxitocina e diminui os níveis de stress. Estes e outros mistérios, num total de 10, são analisados na penúltima edição da revista ‘New Scientist’ que mostra quão estranho é o ser humano.
1-Corar
O ruborizar da face permite aos nossos interlocutores perceberem se estamos a mentir ou a enganar. Estudos sugerem que o acto de corar começou como uma simples forma de apaziguar e mostrar aos membros dominantes do grupo que somos submissos à sua autoridade. Mais tarde, à medida que as interacções sociais se tornaram mais complexas, este comportamento terá ficado associado com emoções como a culpa e a vergonha.
Apesar de o ruborizar da face, por causa destes sentimentos, colocar, à partida, os indivíduos em desvantagem, estes tornavam-se socialmente mais atractivos e desejáveis. Assim que este comportamento ficou associado com vergonha e culpa, quem não o demonstrasse poderá ter ficado em desvantagem uma vez que se tornavam menos confiáveis.
2-Riso
Rir aumenta níveis de endorfinas |
O investigador Robert Provine, da Universidade de Maryland, acredita que o riso começou nos antepassados pré-humanos como uma resposta fisiológica às cócegas. Actualmente, os macacos mantém o seu riso ancestral quando são alvos de cócegas, tendo esse riso evoluído para o “ha ha” nos humanos. O investigador defende que, à medida que o cérebro foi aumentando nos humanos, o riso adquiriu uma poderosa função social na medida em que fomenta a ligação entre as pessoas.
Provine descobriu ainda que os homens são mais engraçados que as mulheres e que as estas geralmente pedem humor enquanto os homens o oferecem. Esta conclusão sugere que a capacidade de fazer os outros rir evoluiu, em parte, através de selecção sexual. Por seu turno, Robin Dunbar, da Universidade de Oxford, descobriu que o riso aumenta os níveis de endorfinas (um opiáceo natural do corpo), hormonas que se crê ajudarem a aumentar as relações sociais.
3-Pêlos púbicos
Pêlos protegem genitais durante acto sexual |
Apesar de o ser humano ser conhecido como o macaco nu, há uma parte em que os humanos triunfam sobre todos os outros primatas: os pêlos púbicos. Enquanto todos os primatas apresentam pêlos mais finos em volta dos seus genitais, que no resto do corpo, os humanos adultos têm uma enorme quantidade de pêlos púbicos. Ainda não há uma explicação totalmente aceite para a predominância de pêlos púbicos nos humanos, mas foram sugeridas muitas vantagens, destacando-se o facto de os pêlos crescerem em regiões onde se encontram glândulas sudoríparas apócrinas tal como glândulas écrinas. Por esse motivo, a pilosidade pode servir para espalhar os odores que simbolizam maturidade sexual.
Podem também ser vistos como um sinal de que o indivíduo está a entrar na fase adulta, tal como o aumento dos seios e alargamento das ancas nas raparigas e crescimento de barba nos rapazes.Uma grande quantidade de pêlos púbicos também protege os genitais durante o acto sexual além de reduzir a fricção durante uma caminhada e de manter a região quente
4-Adolescência
Mais nenhuma espécie tem adolescentes. Nem os grandes símios – parentes próximos dos seres humanos – passam toda uma década com crises existenciais e em actos de rebeldia fomentados pelos pares. Tradicionalmente os anos da adolescência eram vistos como uma fase de aprendizagem reprodutiva, mas um maior conhecimento desta fase levou a novas explicações.
Mais nenhuma espécie tem adolescentes |
Para David Bainbridge, da Universidade de Cambridge, a adolescência é associada menos com o atingir de uma maturidade sexual e mais com o desenvolvimento de capacidades de negociação fisiológicas e sociais. Já o antropólogo Barry Bogin, da Universidade de Loughborough, percebeu, através da observação de jovens rapazes e raparigas, que cada um apresenta diferentes padrões de crescimento e desenvolvimento.
Para as raparigas as alterações ocorrem mais cedo para que pareçam sexualmente maduras anos antes de atingirem a total maturidade reprodutiva. Os rapazes, por seu turno, são sexualmente maduros muito antes de manifestarem um físico adulto, o que lhes permite adquirir atributos sexuais apelativos a uma companheira – como criatividade linguística, humor e talento artístico – num ambiente relativamente pacífico já que não são vistos como ameaças por homens adultos.
5-Sonhar
“Os sonhos moderam as emoções, mantendo-as em determinados níveis”, afirma Patrick McNamara da Universidade de Boston. Recentes investigações demonstraram que dormir a sesta ajuda a consolidar memórias emocionais e que quanto maior for o tempo de duração do sono na fase de REM (Rapid Eye Movement), maior é o processamento destas memórias.Desta forma, mantemos a memória mas a emoção associada é cada vez menor.
Os sonhos moderam as emoções |
Porém, tem sido cada vez mais evidente que nem todos os sonhos ocorrem durante a fase de REM, havendo pistas de que os restantes sonhos têm também uma função especial. McNamara e colegas descobriram que os sonhos em REM se assemelham mais a histórias, com mais emoção e agressão entre pessoas desconhecidas, ao passo que os não-REM envolvem interaçcões amigáveis e sociais. Ao simular encontros agressivos, os sonhos durante a fase REM do sono ajudam-nos a lidar melhor com situações de agressão na vida real, enquanto sonhos não-REM auxiliam no comportamento em social.
6-Altruísmo
Provas recentes indicam que as pessoas de facto têm actos de genuíno altruísmo. Em situações experimentais, por exemplo, muitas pessoas acabam por partilhar dinheiro com o desconhecido mesmo que não obtenham nada em troca. Isto levou alguns biólogos a concluir que o altruísmo faz parte da natureza humana.
De acordo com Robert Trivers, da Universidade de Rutgers (Nova Jérsia), o puro altruísmo é um erro. Defende que a selecção natural favoreceu os humanos mais altruístas porque nas pequenas comunidades em que os nossos antepassados viviam, os altruístas beneficiavam de reciprocidade. Contudo, num mundo cada vez mais globalizado em que as nossas interacções são cada vez mais com pessoas que desconhecemos e nunca mais iremos encontrar, as nossas tendências altruístas estão desajustadas.
Há ainda indicadores de que o altruísmo tem origem biológica. Imagens cerebrais revelam que esse comportamento estimula os centros de recompensa do cérebro. Além disso, o cérebro de indivíduos com uma determinada versão do gene AVPR1 é mais susceptível aos efeitos da vasopressina; uma hormona de bem-estar relacionada com a criação de laços sociais.
7-Arte
Arte tem origem na selecção sexual |
Darwin sugeriu que a arte tem a sua origem na selecção sexual e Geoffrey Miller, da Universidade de Novo México, em Albuquerque, confirmou. Ele pensa que a arte é como a cauda de um pavão: uma demonstração dispendiosa da aptidão evolutiva. Descobriu ainda que quando as mulheres estão no seu período mensal de maior fertilidade, preferem homens criativos em vez de ricos.
Os psicólogos John Tooby e Leda Cosmides, da Universidade da Califórnia, acreditam que o nosso desejo de experiências estéticas pode ter evoluído para nos forçar a aprendermos mais sobre os diferentes aspectos do mundo, aqueles que o nosso cérebro não comporta à nascença. No mesmo sentido, Brian Boyd, da Universidade de Auckland, Nova Zelândia, acredita que a arte é uma espécie de jogo intelectual que nos permite explorar novos horizontes num ambiente seguro. Michael Gazzaniga, da Universidade da Califórnia, sugere que poderemos estar biologicamente condicionados para considerar determinadas imagens, como as simétricas, mais aprazíveis esteticamente, simplesmente porque o nosso cérebro as consegue processar mais rapidamente.
8-Superstições
Identificar relações de causa-efeito é crucial para sobrevivência |
Muitos de nós têm superstições – hábitos estranhos que nos garantem segurança sem qualquer explicação racional – mas pode existir uma razão latente para este tipo de comportamento. Somos também deterministas causais, ou seja, assumimos que os resultados são provocados por eventos precedentes. Esta combinação de sentir padrões e inferir causas deixa-nos abertos a crenças supersticiosas.
Para Bruce Hood, da Universidade de Bristol, identificar e responder a relações de causa-efeito pode ser crucial para a sobrevivência. Os nossos antepassados não teriam durado muito se tivessem assumido que um pequeno barulho nas ervas era apenas provocado pelo vento, quando havia a possibilidade de ser um leão. Assim, vale a pena assumir situações de falsos-positivos.
A religião oferece outro benefício para a superstição: pela fé acreditamos no mundo espiritual e na sua eficácia, mesmo que não funcione. A principal função da religião é persuadir a comunidade a juntar-se, promovendo a coesão que é conseguida, em parte, por responder à nossa natural propensão de acreditar em coisas sobrenaturais que influenciam o nosso destino.
9-Beijar
Beijar na boca não é praticado em todas as culturas, pelo que a urgência que sentimos para o fazer não deve estar nos genes. Porém, há que perceber porque tantos de nós gostam de o fazer e por que razão sabe tão bem. Uma ideia é a de que a primeira experiência de segurança, conforto e amor que temos provém da boca e das sensações associadas à amamentação. Acrescenta a isto o facto de os nossos antepassados provavelmente terem alimentado os bebés, dando-lhes comida já mastigada boca-a-boca, tal como os chimpanzés o fazem actualmente, reforçando a relação entre a partilha de saliva e o prazer.
Lábios são uma das partes mais sensíveis do corpo |
Uma outra teoria é a de que os nossos antepassados eram inicialmente atraídos aos frutos maduros e vermelhos e mais tarde adaptaram esta atracção a finalidades sexuais, desenvolvendo uma coloração pronunciadamente vermelha nos genitais e nos lábios. O ponto de vista fisiológico do beijo é, porém, um pouco diferente. Os nossos lábios encontram-se entre as partes mais sensíveis do nosso corpo, preenchidos por sensores ligados aos centros de prazer do cérebro. Foi já provado que beijar reduz os níveis da hormona do stress – cortisol – e aumenta a hormona do bem-estar e relacionamento – oxitocina.
10-Rinotilexia – Hábito de retirar «macacos» do nariz
Em 2001, Chittaranjan Andrade e B. S. Srihari do Instituto Nacional de Saúde Mental e Neurociências de Bangalore ganharam um prémio IgNobel pela sua pesquisa sobre o hábito de ‘tirar macacos no nariz’. Reportaram que a grande maioria da amostra de 200 adolescentes admitiu que o fazia e em média quatro vezes por dia. Porém, apenas nove alunos, 4,5 por cento, referiram que comiam muco seco que retirava das fossas nasais.
Ingerir ‘macacos’ pode ajudar sistema imunitário |
Mas, porque é que alguém decide comer o seu próprio muco nasal? “Não há nenhum valor nutricional no muco nasal”, afirma Andrade. Por outro lado, é possível que ingerir detritos do nariz ajude a criar uma boa resposta do sistema imunitário. Aliás, investigadores no campo da higiene perceberam que a falta de exposição a agentes infecciosos pode aumentar a susceptibilidade a doenças alérgicas.
Fonte: CienciaHoje