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Lester Burham (Kevin Spacey) não aguenta mais o emprego e se sente impotente perante sua vida. Casado com Carolyn (Annette Bening) e pai da “aborrecente” Jane (Tora Birch), o melhor momento de seu dia quando se masturba no chuveiro. Até que conhece Angela Hayes (Mena Suvari), amiga de Jane. Encantado com sua beleza e disposto a dar a volta por cima, Lester pede demissão e começa a reconstruir sua vida, com a ajuda de seu vizinho Ricky (Wes Bentley).
Beleza Americana
por Gabriel Giraud
Um mundo de aparências, de simulações e de simulacros. Um tema tão pós-moderno dentro de uma narrativa clássica e, quem diria, americana. E não apenas americana, mas sob a égide de Beleza Americana. Sam Mendes cria a transcendência de uma vida morta no personagem de Lester (Kevin Spacey), que, sendo não um narrador-defunto, mas um defunto-narrador, analisa sua vida defunta e como ele, minutos antes do momento de sua morte, consegue atingir o ápice de sua vida.
Sua vida de autômato é ornamentada por uma família que segue os moldes americanos (leia-se ocidentais). Sua mulher, Carolyn, encarnada por Annette Bening, é uma corretora de imóveis que parece ter sido originada do cruzamento de comerciais de eletrodomésticos do Polishop dos anos 90 com a histeria de vilãs de novelas mexicanas. No entanto, ela parece encaixar perfeitamente na trama, devido a manipulação que ela – e quase todos – sofrem pela mídia e pela psicologia de farmácia. Jane (Thora Birch) é a filha adolescente que é a estranha da escola e tem complexos com o próprio corpo. Essas linhas iniciais já nos indicam o interior da fachada dessa tríade pai-mãe-filha: falta de comunicação.
A construção dos personagens é orquestrada de forma orgânica, mesmo que eles sejam, por vezes, caricatos ou alegóricos. A caricatura, aqui, é peça fundamental à coerência da composição de simulacros que formam nossa sociedade. A mãe de Ricky Fitts (Wes Bentley), Barbara (Allison Janney) por exemplo, é um desenho feito em poucas linhas de uma mulher apática e sem vida, totalmente submissa ao seu marido autoritário, o coronal Frank Fitts (Chris Cooper). Os personagens de Carolyn e Barbara Fitts não causam um estranhamento em relação às suas inverossimilhanças. Talvez porque haja pessoas tão inverossímeis na vida real, talvez por termos em nossas mentes a percepção de uma sociedade que é o que vê na televisão.
O grande mote do filme é a beleza que há na vida, e como nós não a percebemos. As vendas que impedem os personagens de verem a beleza que há no mundo são mantidas em todos os personagens, exceto em Lester e em Jane – e o único que entende o mundo é Ricky. No entanto, a primeira centelha que atinge o protagonista de modo a se propor uma mudança de vida é Angela (Mena Suvari), a amiga de sua filha. Ela se mostra ao mundo como uma garota sensual, muito segura de si e que sabe como lidar com o assédio masculino. No entanto, Ricky, ao se encantar por Jane, acaba por mostrar que Angela usa Jane como companhia para se sentir melhor sobre sua amiga “sombra”, ordinária. Nessa trama, portanto, temos um fator interessante: a ponta do iceberg que mudará a vida de Lester é tão falso e mascarado quanto todas as outras pessoas que o cercam – e que ele a vê como especial até o fim.
Ricky Fitts é um personagem chave no filme. Um garoto bizarro à primeira vista que se mostra como o único normal e verdadeiro. Ele chega à vizinhança e se aproxima, primeiramente, de Jane. Depois, conhece Lester. Suas atitudes surpreendem os dois personagem de modo que eles saiam da cegueira social. Ricky é como o olho do autor do roteiro: ele vê aquilo o que merece ser visto e aponta aos cegos – e aos espectadores – a beleza que perdemos por aí. Sua câmera é diferente, sua realidade não é a câmera do filme (o que é um grande ponto na escolha da fotografia). Seu olho, após que Lester morre, fita os olhos de Lester. Ele vê que sua morte foi feliz e que, finalmente, ele havia compreendido e internalizado a percepção da beleza. Lester, como narrador, reitera a visão de Ricky no belo desfecho que segue a visão do instante final da sua morte ao continuar “até o infinito, como um oceano de tempo”.
O modo com a qual a música é usada merece um olhar à parte. Logo na apresentação da família americana, há timbres de instrumentos orientais, nos dando um olhar exótico a Lester, Carolyn e Jane. Já nos delírios de Lester (ao pensar em Angela), a música é sempre mística, tribal, quase ritualística, como se ele devesse ser iniciado por uma deusa no seu verdadeiro percurso da vida. No entanto, ao finalmente estar a sós com Angela, a música vem do aparelho de som da sua sala. A música: “Don’t Let It Bring You Down”, interpretada pela voz melancólica de Annie Lennox. Ao tornar a música diegética (com uma fonte inerente à narrativa), e realista (Angela está triste por ter sido confrontada por Ricky e Jane), a atmosfera é completamente distinta – quase como se a realidade de Lester não fosse tão boa quanto seus devaneios. O uso de “Because” (escrita por John Lennon e Paul McCartney) no fim faz o espectador que mergulha no filme se confrontar com a grande mensagem da história – a eterna questão do sentido de viver, como ela é bela e como somos ínfimos ante ela.
Beleza Americana estuda antropologicamente do bicho homem ocidental americanizado. O filme nos olha como objetos científicos humanizados, com suas distâncias e estranhamento naturais. Ao mesmo tempo, ele trata de aproximar o exotismo dessa nossa sociedade à suposta esquisitice de viver verticalmente a vida. Trata-se de um estudo incrível e que, se abrirmos bem os olhos à sua mensagem, ele pode mudar vidas – sem nenhum exagero.