O grande Jeremy Irons voltou a Lisboa na pele de um professor de literaturas clássicas suíço. Raimund Gregorius faz uma viagem à procura de si mesmo a pretexto de seguir um livro que encontrou.
Ou talvez um livro que o encontrou a ele, escrito por um português que passou também ele uma curta vida à procura do sentido da vida e da morte. Sem Deus nem eternidade. «O Comboio Nocturno para Lisboa», do realizador dinamarquês Billie August, estreia esta quinta-feira em Portugal.
A história – uma produção germano suíça, com participação minoritária portuguesa – fala da resistência à ditadura, fala de amores, amizades e traições, mas esta é sobretudo uma história de reflexões e pensamentos sobre o sentido da existência.
O filme do realizador de «A Casa dos Espíritos» e de «Mandela, Meu Prisioneiro, Meu Amigo» – que volta a Lisboa com Jeremy Irons 20 anos depois de terem rodado «A Casa dos Espíritos» – baseia-se no romance homólogo (Nachtzug nach Lissabon) de Pascal Mercier, e desenrola-se na década de 1970, com «visitas» ao passado da época de Salazar.
Começa numa manhã chuvosa, quando uma mulher se prepara para saltar de uma ponte de Berna, mas que é salva por Gregorius. A mulher volta a desaparecer, mas deixa para trás o seu casaco vermelho, onde o professor encontra um pequeno livro da autoria do português Amadeu de Almeida Prado, «Um Ourives das Palavras».
Lá dentro estão dois bilhetes de comboio para Lisboa e, enquanto procura a misteriosa mulher movido como se por uma força inconsciente, Gregorius vê-se a caminho e chega à cidade branca, luminosa, com o casario a escorregar pelas colinas e os eléctricos amarelos a percorrer as ruas estreitas e íngremes.
Ali começa a busca pelo autor do livro, Amadeu de Almeida Prado, um médico de família aristocrática que viveu durante o período do Estado Novo e morreu, em 1974, no dia Revolução.
Ao descobri-lo e reconstruir a sua história, o solitário intelectual suíço acaba por fazer a descoberta de si mesmo.
Gregorius vai lendo o livro e percorre as ruas e vielas de Lisboa acompanhado pelos pensamentos e reflexões de Prado, um pensador cuja mente brilhante e insaciável pôs em causa os valores da sociedade da época e cedo se desprendeu das baias de uma família que fazia parte do status quo.
Juntamente com o melhor amigo, de uma classe social muito inferior, leu e pensou as coisas, juntou-se à Resistência, contestou a ditadura, a religião.
Henri Miller, Karl Max, Jean-Paul Sartre enchiam as leituras de ambos, a sua religião era a Lealdade, os seus valores a Verdade.
«Quando a ditadura é um facto, a revolução é um dever», lia-se numa inscrição do seu jazigo.
Mas mais que contestar uma sociedade regida por uma ditadura, Amadeu Prado procurava o sentido mais profundo da vida. «Era um sacerdote ateu», como o descreveu um amigo, que Gregorius foi encontrar num lar de idosos, um antigo pianista cujas mãos tinham sido destruídas pela Pide.
O solitário e até arrogante Gregorius ganhou um novo sentido com as personagens que conheceu. «Eram extraordinários, fazem sentir a minha vida tão insignificante», afirma.
«Deixamos algo de nós para trás quando deixamos os sítios (…) e há coisas em nós que só encontramos quando voltamos lá», escreveu Prado. Gregorius procurou por ele. No final, a mulher misteriosa regressa e revela a sua identidade. Um pouco forçado.