Nélson Évora teve de ver para crer
Medalha de ouro. Assim que acordou foi confirmar os resultados da sua prova na Internet Foi a primeira coisa que fez quando acordou. Só dormira uma hora e meia e estava bem mais cansado do que em Osaka, quando se sagrou campeão do mundo. Mas nem assim abdicou de um hábito antigo: conferir os resultados das suas provas no dia seguinte à competição. “Faço-o sempre e aqui voltei a fazê-lo, claro”, disse ontem Nélson Évora ao DN. Em Pequim, como em Osaka, ligou-se à Internet e apreciou os resultados – 17,31 m; 17,56 m; nulo; 17,67 m… o número mágico que na véspera lhe valera o título de campeão olímpico do triplo salto.
A medalha de ouro recebeu-a ontem, diante de um lotado “Ninho de Pássaro”. Doze anos depois, um estádio olímpico voltou a escutar A Portuguesa. O hino embalou a bandeira nacional até ao topo do mais alto mastro e, ainda mais acima, o ecrã gigante mostrava um Nélson Évora sorridente. O sorriso só se desfez à passagem dos versos mais conhecidos, que o saltador mostrou saber de cor. Ao peito, uma medalha reluzente; nas mãos, um ramo de flores vermelhas com o destino já traçado: “São para a minha mãe.”
Assim que uma ovação de palmas assinalou o fim da cerimónia, o britânico Phillips Idowu saltou do pódio e avançou para a saída. Parou por breves instantes frente aos fotógrafos e desapareceu, mostrando que, além de arrogante, tem mau perder. “A frustração é culpa dele. Ele não respeitou os seus adversários. Pensava que tinha a medalha no bolso e agora ela está aqui nas minhas mãos”, comentou Évora.
É talvez a recordação menos boa que guardará de Pequim. Insignificante, quando comparada com tudo o que de bom aqui aconteceu. No pódio, ao contrário do dia anterior, conteve as lágrimas. “Preparei-me para aquele momento, por isso não chorei. Se fosse ontem, por exemplo, tinha sido muito mais difícil não chorar”, reconheceu o saltador, que ontem ainda não tinha tido tempo para dar atenção ao telemóvel: “Continua desligado!”
Abatido por uma noite atribulada de directos televisivos, conferências de imprensa, fotografias e felicitações, Nélson Évora despediu-se do “Ninho de Pássaro” com um só desejo: “Descansar, preciso de descansar. Olhem para mim, só dormi uma hora e meia. Quero apenas uma cama e dormir.” Talvez ainda não sentisse a força da medalha que tinha ao peito, pois ela ainda lhe daria resistência para assistir às últimas provas de atletismo do dia e jantar com o treinador João Ganso.
Amigos desde que o campeão olímpico era criança, atleta e técnico têm uma relação muito especial. Além da cumplicidade que lhes dá títulos nas pistas, Nélson Évora e João Ganso partilham a mesma orientação religiosa – a fé baha’i, que o saltador abraçou aos 15 anos, contra a vontade dos pais católicos. “É uma filosofia de vida e de valores, que transportamos para tudo aquilo em que acreditamos.”
O campeão olímpico diz que ainda não teve tempo para pensar na revolução que a medalha de ouro vai provocar na sua vida, mas confessa que, como sempre faz, já reflectiu sobre os principais momentos até chegar ao ouro. Um dos quais, ainda antes dos 20 anos, quando – acabado de sagrar-se duplo campeão europeu de juniores de salto em comprimento (7,83 m) e triplo salto (16,40 m) – rejeitou vários convites para ir treinar para os Estados Unidos. Ontem, como hoje, a família está primeiro e é para junto dela que Nélson Évora quer ir assim que puder.
Para já, enquanto aguarda a ce- rimónia de encerramento dos JO, agendada para domingo, o atleta aproveitará para conhecer “os principais pontos turísticos de Pequim” e para fazer compras: “Adoro regatear e, apesar de não ter cá o meu parceiro de regateio, Marco Fortes, quero ir comprar umas coisas. Eu e ele comprámos aqui uns cartões de memória e já temos umas belas máquinas fotográficas e uns iPod’s à conta da nossa estratégia do turista bom e turista mau.”|
RUI HORTELÃO
Enviado a Pequim pelo DN