Os mestres dão o mote para a 30.ª edição do Festival de Teatro de Almada, que arranca hoje. Consagrados como Peter Stein actuam em confronto com criações contemporâneas dos PIGS e dos países ricos sem troikas.
São três décadas a fazer parar o país para ver teatro. De 4 a 18 de Julho decorre a 30.ª edição do Festival de Teatro de Almada que, este ano, para assinalar o aniversário redondo, conta com uma extensa programação, composta por 28 espectáculos (18 estrangeiros e dez portugueses, dos quais seis em estreia) distribuídos por dez salas de Almada e Lisboa, a que se juntam colóquios, debates e exposições.
Entre os artistas que chegam a Portugal para apresentar o seu trabalho estão Peter Stein (com Le Prix Martin, de Eugène Labiche, e A Última Gravação de Krapp, de Samuel Beckett, protagonizado por Klaus Maria Brandauer), José Luiz Gómez (O Principezinho, de Saint-Exupery, encenado por Roberto Ciulli) e Habib Dembélé (com O Papalagui).
Muito mais há para ver nestas duas semanas. De França chegam nomes já bem conhecidos do público, como Emmanuel Demarcy-Mota e a dupla de actores François Chattot e Martine Schaubacher. E os países em dificuldades financeiras conhecidos pela sigla PIGS estão todos presentes, juntando-se às criações portuguesas peças vindas da Irlanda, Grécia e Espanha, bem como de Itália, que entrarão em discurso directo com as vindas da rica Europa no âmbito do ciclo de teatro nórdico (no qual se poderá ver, entre outras, Cortar a Meta, pelo Teatro Nacional de Helsínquia). A criação contemporânea tem também lugar de destaque, com espectáculos de países como Argentina, Croácia e Eslovénia. Cristina Carvalhal, Rogério de Carvalho, Pedro Gil, Paula Azguime, John Romão e Paulo Castro, Monica Calle, Paula Diogo e Sofia Dinger são os responsáveis pelas estreias portuguesas no festival, que oferece também a possibilidade de rever O Senhor Ibrahim e As Flores do Corão, encenada por Miguel Seabra, e Ai Amor Sem Pés Nem Cabeça, por Luís Miguel Cintra.
Numa edição redonda como esta, a Companhia de Teatro de Almada (CTA) quis homenagear os mestres do teatro europeu: Peter Stein, Luis Miguel Cintra e José Luiz Goméz teriam, caso a houvesse, honras de passadeira vermelha. E Joaquim Benite, fundador e director da CTA e do Festival de Almada e do festival, até à sua morte, não foi esquecido.
«Perdemos o nosso mestre em Dezembro. Por isso quis fazer esta homenagem. Vivemos numa época conturbada quanto aos apoios para a criação. Houve tomadas de posição de pessoas da geração a que pertenço que me deixaram perplexo. Reivindicam um lugar em detrimento de uma geração de criadores como o Luís Miguel Cintra, o João Mota, o Jorge Silva Melo, a Maria do Céu Guerra, que são os responsáveis pela existência do teatro independente em Portugal. Não se pode fazer uma política de terra queimada de ‘chega para lá que agora sou eu’. Uma posição que tenta afastar essas pessoas – que são os nossos mestres, as pessoas com quem aprendo, que fazem os espectáculos mais inovadores – funciona contra o que queremos: a melhoria do teatro português. O festival começou a ser feito, e o Joaquim dizia isso muitas vezes, como uma forma de ele se confrontar com os que faziam teatro melhor do que ele. É isso que fazemos. Procuramos trazer os melhores para que o público nos questione: ‘Quando fazes um espectáculo melhor que o do Peter Brook?’. Essa confrontação parece-me essencial», diz ao SOL Rodrigo Francisco, 31 anos, director da Companhia de Teatro de Almada e do festival, numa declaração de princípios.
Duelo de titãs
Também o festival este ano vai viver destes confrontos: os mestres do teatro europeu com as irreverentes criações contemporâneas, como Macadâmia Nut Brittle, dos italianos Stefano Ricci e Gianni Forte, que, num ambiente frenético de loucura, tece uma reflexão sobre a manipulação dos fenómenos televisivos e se transformou num fenómeno de culto em Itália. Há, então, duelos de titãs: mestres Vs teatro de pesquisa; países do Norte Vs países do Sul; clássicos Vs contemporâneos.
O homenageado deste ano será Joaquim Benite, falecido em Dezembro do ano passado. Jean-Guy Lecat assina uma instalação documental que o lembra; será realizado um colóquio internacional sobre a sua obra e lançada a sua biografia teatral, de Maria Helena Serôdio. E, a 13 de Julho, estreia-se Não Basta Dizer ‘Não’, documentário de Catarina_Neves sobre a criação de Timão de Atenas, a sua última encenação.
«Tudo o que fazemos, e fizermos, tem a assinatura do Joaquim. Somos a equipa criada por ele, pessoas formadas por ele. O espírito do Joaquim é mantido na programação, na procura de diversidade e qualidade dos espectáculos», diz Rodrigo Francisco, analisando o sentido da maior homenagem que pode ser feita ao fundador da companhia.
A diversidade é uma marca do Festival de Almada. Em caso de dúvidas quanto a que bilhetes ir já comprar, Rodrigo Francisco deixa o conselho: «Le Prix Martin, dirigido por Peter Stein, no Dona Maria II, vai esgotar de certeza. Foi um dos êxitos da temporada parisiense deste ano, é fantástico; o Klaus Maria Brandauer é uma vedeta do teatro e cinema europeu, vem pela primeira vez a Portugal e vai a Almada [A Última Gravação de Krapp]._E vai haver concertos sinfónicos e ópera, numa parceria com o São Carlos. E depois há o Papalagui, um espectáculo que vai surpreender bastante, um dos êxitos do Festival de Avignon do ano passado, interpretado por um actor que tem trabalhado com o Peter Brook».
Como encontrar dinheiro
Para os que dispensam a escolha e preferem assistir a quase todos os espectáculos, como de costume, há a possibilidade de comprar uma assinatura a 70 euros (com descontos para jovens e clube de amigos do TMJB), que dá acesso a todas as peças. Este ano com uma novidade: a possibilidade de comprar duas assinaturas por 100 euros. E Rodrigo Francisco lembra: são impessoais e transmissíveis. Ou seja, pode-se sempre dividir os custos (e os espectáculos) com alguém.
O que acabou por ser uma ideia para o financiamento do próprio festival. Este ano conta com um orçamento de 545 mil euros (no ano passado tinha 470 mil), reunido com a ajuda de várias entidades. Desse bolo, apenas 150 mil foram investidos pela DGArtes. Duzentos mil correspondem ao investimento da Câmara Municipal de Almada e 195 mil provêem de receitas da companhia. «A subvenção estatal diminuiu mas conseguimos apoios de fundos europeus, de uma instituição nórdica, o Nordic Cultural_Fund, e dos nossos parceiros, como o Teatro Nacional D. Maria II e o Teatro São Luiz e também dos nossos parceiros da rede de teatros Municipais Acto 5, que inclui o Teatro Aveirense, o Cine-Teatro Constantino Nery, e o Teatro Circo de Braga. Esse foi o segredo. E depois, claro, o uso muito parcimonioso do dinheiro. Não gastamos dinheiro com galas nem passadeiras vermelhas, gastamos nos espectáculos».
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